Avançar para o conteúdo principal

A essência dos dias.2

O livro aberto pousado nas suas mãos.
Na macieza dos lábios as palavras mastigadas em silêncio e na dobra das pálpebras pequenos fragmentos de texto que não couberam naquelas páginas. A serena curva temporal do rosto acumula todos os pequenos assombros emocionais que cada parágrafo percorrido lhe desperta. O belíssimo rosto do ser amado a ler ilumina-se entretanto por um raio de sol que abre caminho por entre nuvens, braços, ombros e sacos.
Olho a sua face iluminada.Iluminada pelo singelo e extraordinário raio de sol que ali escolheu terminar a sua viagem cósmica. Ali, no seu rosto, entre tantos outros na carruagem do comboio numa manhã de fevereiro. Ninguém atenta na singularidade deste instante. A luz que há minutos partiu de uma estrela viaja agora connosco no comboio. Ilumina-te. E na dobra do tempo, como antes na dobra das tuas pálpebras, somos atingidos pela poeira desta centelha. Somos perfeitos. Estamos numa única dimensão. Estamos em todo o lado.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Oiço o carpir do tempo no meu encalce

Oiço o carpir do tempo no meu encalce, enquanto corro a iluminar os últimos quartos.

A essência dos dias.3

Caminham agarradas pelas mãos. De mãos dadas. Enormes na sua tenra idade. Juntas na multidão que sai do comboio. Caminhamos juntos! Sobem a rampa a espalhar esse amor. O seu amor! Paixão! O amor que lhes pertence. O amor que agora vemos. Elas, e eles, e nós todos visíveis. Vemo-nos! Iguais. Iguais a mim! Iguais para todos?...Talvez ainda não...plenamente...mas estamos tão perto! Bendito dia! Bendita manhã inundada de esperança e luz! Bendito final de setembro.  O Sol e a alma vibrantes, neste instante feliz plantado no horizonte.

Fragmento.2/1

Senta-se à mesa da cozinha depois de aumentar um pouco o som do rádio. Raramente liga a televisão. Há algo que se perde das imagens e escava dentro de si um imenso vazio. Ela não sabe depois como o preencher. Serve-se então, apenas, do som. As vozes. As conversas. A música. Começa a dobrar a roupa interior e o seu gato Alberto salta para a mesa e acomoda-se por entre as meias. Olham-se. Ajeita o cabelo instintivamente quando uma ou outra canção tocam no rádio. Afaga-o junto ao pescoço, em redor das orelhas, e por fim encosta levemente alguns cabelos dispersos da sua franja com o dedo médio da mão direita. Parece que executa um código secreto, ou um pedaço de dança, que a devolve generosamente ao passado.