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Tão pouca luz no quarto

Entra tão pouca luz no quarto,
o ocre antigo das paredes desliza pelo chão
e despe-se nas minhas pernas,

não sei se o sol nasce ou morre,
porque no meu corpo indecifrável
o mundo parte devagar,
e os sons para trás acomodam-se no meu ouvido
como finos vapores húmidos.

sem dia, sem noite, apenas as horas ficam,

e o meu peito adormece.


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