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Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2008

Há crianças nas árvores que absorvem a noite

Há crianças nas árvores que absorvem a noite, enquanto as estrelas caiem frias no chão, e a luz se esvai pela terra em caminhos húmidos. As crianças que levam os fins dos dias, e correm ensurdecedoras e felizes, prenunciam a noite no sibilar das folhas, e encerram as janelas nas paredes, e nos quartos, verdes e ásperos, um cheiro de éter escorre. Há crianças nas árvores que absorvem a luz pálida da manhã próxima, um dia já fora do nosso alcance.

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar.  No meu ventre aberto as tuas asas batem furiosas e o meu peito pára, e cruzo as mãos sobre as águas salgadas onde os bicos dos pássaros mergulham, agudos e ácidos. Cruzo as mãos frias sobre o medo. No meu ventre, aberto, as dores já não são minhas, nem a vida, mas o medo desse frio sim, habita-me, não há sossego onde as mãos outrora asas,  e as asas outrora mãos, arrefecem a cicatriz e nela, depois, se deitam. Extingue-se a espera. Acordo sem saber que dormia, sem saber que os sonhos já não são meus, acordo com o bater cruzado das tuas asas nas margens a céu aberto, acordo sem mim, com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar. No meu ventre, no sono frio, nas efémeras asas, no medo glandular, existe  a impossibilidade de um fim súbito,  uma compaixão recusada, e a culpa,  esse vulto áspero fortalecido a escurecer a alma. [poema original alterado em 2024]

O tempo que o sono come

O verde gelou, e as almas perdem-se rasteiras, sonâmbulas. Tudo agora tão branco e esquelético, e um cheiro a incenso e alfazema, como se estivéssemos guardados, desde sempre, numa gaveta. A madeira range quando pensamos respirar, como um aviso, uma ameaça velada, e há um choro tardio que fica para trás... uma ladainha breve a marcar o tempo que o sono come.